terça-feira, 12 de novembro de 2013

A Perfeição de Khamilla



    Khamilla era o seu nome.
__Khamilla ;com  kh e dois  "élis" __ressaltava ela toda vez que alguém o escrevia errado.
Sabia que seu nome era um reflexo do pensamento brasileiro que não se sabe porque sempre quer americanizar tudo,sua mãe também há trinta anos passados havia embarcado na mania.
Ela; a legítima mulher nativa do país,negra,corpo voluptuoso e bonita. Mantinha a tradição de falar e gargalhar alto.
     Que se danassem os críticos de plantão!
 __ Tô nem aí__ vociferava;quando pediam-lhe para que abaixasse o tom.
     A mãe sempre orgulhosa vangloriava com as amigas sobre todos os dotes da filha...
__ Agradeço todos os dias a Deus por me dar ela;estudiosa,bonita como só e trabalhadora!
 Um burburinho e risinhos se fazia ouvir todas as vezes que estas palavras eram referidas,mas cessavam logo quando D. Carmen; a mãe sortuda lançava um olhar para o grupinho debochado :
__ O que foi!? Estão com inveja não é?
__ Silêncio.
      Khamilla trabalhava a noite como garçonete em um restaurante de comidas típicas,a mãe vendia acarajé em duas praias de Salvador. Toda santa noite a filha  saía pra trabalhar deixando para trás um leve cheiro de canela; fato é que muitos dos rapazes frequentavam o restaurante só para observá-la,gostavam do ar de mistério que a moça transmitia no olhar. No ambiente de trabalho ela se mantinha impecável;apresentando sómente os serviços disponíveis com um sorriso nos lábios;porém quase nunca firmava olhos nos do cliente. Ela havia mobiliado toda a casa da mãe recentemente;os móveis fora comprado na melhor loja da cidade,o tipo de loja  onde os menos favorecidos nunca colocavam os pés,a principal razão eram os preços totalmente fora da escala que podiam pagar. Por isso havia um certo questionamento pelas pessoas próximas a ela ,como fazia para multiplicar seu salário e adquirir bens que para os outros do seu mesmo padrão de vida eram inalcançáveis. Em uma ocasião ela reclamara junto à mãe:
__ Quanta especulação com o que não lhes pertence,sempre poupo bastante antes de gastar.
__ Não esquenta filha.__consolou D. Carmem.
      E a vida seguia.
    Aos sábados ela sempre estava de folga e fazia parte da rotina semanal sair para dançar,ao contrário das demais garotas da região ela sempre ia só. Se decepcionar com as mulheres talvez fosse culpa de seu gênio difícil,já tivera várias amigas;mas agora gostava de estar só. Se arrumou de modo sentir-se especial e saiu afim de um pouco de diversão,adentrou a boate e como de costume alguns rapazes deixaram por um minuto de fitar suas parceiras de dança pra observar a récem-chegada;ela era bem conhecida no bairro,ainda mais por trabalhar em um lugar público sempre bem frequentado, o corpo violão metido em um macacão branco contrastando com a tez  escura lhes provocavam os pensamentos. Horas depois  havia bebido muito pouco,dançado bastante e agora já perambulava pela terceira casa de noite. A pose ereta do início da tarde já não existia mais e a roupa de griffe estava disfarçadamente suja e amarrotada.
__4:30 da manhã!__ constatou conferindo o reloginho de pulso.
    Era o momento de retornar ao lar.
    A mãe cuidadosa nunca a via chegar e ela por sua vez sempre lhe deixava a impressão de que chegava mais cedo. Só pelo fato de não a querer preocupada inutilmente.

    O fim de semana voara.
A velha rotina de Khamilla retornara. O patrão havia lhe pedido para que fizesse mais um serviço daqueles não muito satisfatórios;o que não a deixava muito contente;mas frente aos seus sonhos de adquirir mais grana ela simplesmente sorria ao chefe e balançava a cabeça demonstrando bom grado. Era temporada de verão e a cidade se enchia de turistas incluindo os gringos que iam em busca das águas refrescantes daquelas praias constantemente exploradas por pessoas ávidas por descanso e relaxamento. Eles se atulhavam no restaurante e a oportunidade de fazer uma bela comissão no fim do dia ela não podia deixar escapar.
  Quando voltou para casa naquela noite a mãe não estava muito bem,recentemente a levara ao médico e havia sido diagnosticado um problema meio grave no coração além da pressão arterial desregulada com o que ela já convivia há anos.
__ Como assim meio grave Doutor! __Ela tinha questionado na ocasião,o medo insuportável da possibilidade de perder a mãe para aquela doença. O médico a havia tranquilizado, lhe orientando qual tratamento seguir desde então.
__Tudo ficará bem.__ ele afirmara.
    Cuidou da mãe então antes de tomar uma ducha fria e dormir.
Percebeu logo que chegou ao trabalho que seria mais um dia de vai e vêm,pura agitação!  O patrão aproximou discretamente durante o expediente cochichando lhe no ouvido,era uma proposta nova e se tinha nova proposta significava ganhar dinheiro novo. E ela nunca admitia para as pessoas;principalmente às amigas mexeriqueiras da mãe,mas sim amava  sentir o cheiro e a textura das notas récem-saídas do banco.      Tudo transcorreu como de costume no restante da tarde.
Por volta das 23:30 Khamilla retorna pelo mesmo caminho que faz diariamente ;de repente sente algo frio em volta do seu pescoço, em meio a um medo estarrecedor que lhe invade instantaneamente ela percebe ser a mão de um homem. A mão a puxa com violência para um dos becos e sem nenhuma piedade o homem abusa dela sexualmente. Em seguida uma baque surdo do corpo da moça caindo pode se ouvir acompanhado de três tiros que encerra o ato cruel. As únicas testemunhas são aqueles muros silenciosos e sombrios. Na manhã seguinte o corpo é encontrado e imediatamente a polícia inicia as investigações.
   Uma das amigas de D.Carmem é designada para avisá-la. Ela chegou a tropeçar nas palavras,mas aquilo precisava ser dito;fosse como fosse. Mesmo para uma mãe que quase como todas as outras mantinha a única filha em um pedestal de perfeição.
__ Carmem eu sinto tanto por ter que lhe contar isto.__ iniciou ela com lágrimas nos olhos e voz trêmula.
     Muniu-se de coragem e continuou:
__ Sua Khamilla está morta! Um homem sem coração a cercou lá no beco e lhe deu três tiros. D. Carmem leva a mão ao peito e cai de joelhos chorando convulsivamente,alguém lembra do seus comprimidos para o coração e a faz tomar.
__ Por favor tenta se acalmar;a polícia achará quem a tirou de nós e a justiça será feita,assim como a justiça divina que não falha.
Elas têem uma ligeira surpresa;quando um grito como um urro sai da garganta da senhora que ainda soluçando solta:
__ E o que importa a justiça agora! Eu quero a minha filha!
    Uma delas cuida dos preparativos para o velório.
    Logo no início da manhã a polícia bate a porta de D. Carmem dizendo já obter o resultado das investigações. As mulheres do burburinho se mantém todas ao redor da senhora que se mostra inconsolável.    Um dos policiais se aproxima.
__ Sei que a dor que a senhora sofre agora é algo que não podemos aliviar, porém talvez lhe dizer que o assassino de sua filha foi pego esta manhã possa lhe trazer um pouco de alento e visão de que a morte dela não seja vã. Logo devemos a informar que ela possuía uma dívida de droga que lhe foi cobrada com a vida,além de manter uma profissão provavelmente oculta. Ela era garota de programa. O patrão seu cafetão, era assim que consiguia pagar os seus tratamentos e adquirir tantas roupas caras.
    A velha senhora agora treme dos pés a cabeça,seu corpo balança tal como uma cana ao vento. Ela leva a mão ao peito e lança um olhar para as amigas,não suportaria aqueles olhares e futuros comentários que com certeza viriam com o tempo.
    Sente algo como uma explosão no coração e imediatamente cai sem vida.


*Dani Cristina
Obrigada por passar por aqui.
Até a próxima história;
Um Abraço!!!

Nenhum comentário: